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Elke Maravilha: “Apanhei muito em casa e isso me ajudou a ser forte como o super-homem”



Reportagem de Yolanda de Paula Filha para a revista Sétimo Céu em 1977 


Ela tem uma voz quase sensual que aumenta e diminui de tom. As palavras saem com calma, como se pensasse alto. De vez em quando, a famosa gargalhada que todos conhecem. Consciência de si, Elke Maravilha tem de sobra. Sabe que sua figura deslumbrante, colorida, esfuziante, ilumina como o sol qualquer ambiente. Talvez por isso a sutileza ao declarar que prefere dias chuvosos: “Não gosto do sol, não preciso dele.” A sua maneira de ser, sempre fantasiada e com um sorriso que ninguém sabe se é de ironia ou de alegria, ela diz que é “para mostrar que a vida é cor-de-rosa apesar de tudo”.

Seu nome verdadeiro é Elke Georgievna Grunnup, filha de pai russo e mãe alemã. Nasceu em Leningrado e por problemas políticos, seu pai veio para o Brasil cuidar de uma fazenda em Itabira, interior de Minas Gerais. Em contato com a terra e com os bichos, Elke foi aprendendo o que é a vida através da observação da natureza. Em casa, a educação era rígida. Debaixo do pau. E o medo de apanhar, a fazia ser igual ao super-homem. “Em casa, eu era obrigada a jogar três partidas de xadrez por dia. Se eu quisesse ver um filme que fosse adaptado de um livro, teria que ler o livro primeiro, para depois assistir ao filme. Ruim, não é? Muita ditadura, não é? Mas sabe, amor, eu tirava de letra, tudo bem. Para mim esse esquema funcionou muito bem, tinha que ser assim. Para os meus irmãos não: porque, se não fosse assim, eu não ia prestar para a humanidade não, sabe? Eu tinha medo de tudo, muito sensível, não tinha disciplina de cabeça. Mais ou menos fiquei invulnerável. Hoje para mim pode vir até guerra que eu vou dar risada. Vou tirar partido dela.”

(Foto: Reprodução/TPM)



A descoberta do sexo

“Meu primeiro contato sexual foi aos 16 anos, em Belo Horizonte. Agora, a primeira sensação de prazer foi por uma mesa, quando tinha seis anos. Encostei na mesa por acaso e senti uma sensação estranha. Depois, pelos boiadeiros e motoristas do meu pai. Ah, eu tinha muita atração por Tarzan. Dormia abraçada ao travesseiro, pensando que era o Tarzan.”

“Agora, o primeiro cara mesmo foi um homem rico, olha que coisa. Nunca mais tive um homem rico, graças a Deus. Ai que saco que é um homem rico. Mas ele era legal, gostava muito dele, mas não podia durar.”

(Fotomontagem/Reprodução)


Ele era casado?

“Nunca transo com homem casado. Homem casado para mim é mulher. É um preconceito meu, não transo porque gosto de homem para mim, integral. E homem casado já tem rabo preso, não é? Não gosto da metade das coisas. Gosto de tudo inteiro, então não entro. Homem casado nunca transei. Nunca.”

“Depois da primeira experiência sexual, segui uma vida normal. Não foi curiosidade, foi amor mesmo. Eu já sabia como era ir para a cama com um homem. Quem mora na roça vê muito cavalo tendo relações sexuais, muito gato, muito cachorro. E a gente tá ali assistindo. Então não tem curiosidade. Depois teve uma época de abstinência sexual muito grande. Porque de vez em quando tenho essas fases de abstinência e entro numa mais espiritual. Depois volto a ativa, tcham, de mergulho, ah ah ah. Não sei como é a vida dos outros para saber se a minha vida sexual é normal. Mas é normal sim. Satisfaço bem ao homem, e se satisfação é dos dois, acho que só pode ser normal. Não sei se sou boa de cama. Para certos homens sim, para certos homens não.”

(Foto: David Drew Zingg/Acervo IMS)

Elke foi casada três vezes. O último casamento durou três anos, com o arquiteto Julinho. Há meses, separaram-se e agora ela está com Rubão, músico de Gilberto Gil. O fato de os dois serem negros fez logo as pessoas comentarem que ela prefere pessoas de cor.

“Já tive vários homens brancos. Por acaso, os dois últimos foram negros. Um atrás do outro. Por acaso, né? Mas não é verdade que só transo com homens negros. A maioria dos meus homens foi branca. Agora, se pintar verde, amarelo, roxo, não importa. Tanto faz. Inclusive as pessoas encaram o negro como objeto sexual, mas não tem nada a ver, porque o outro marido, o Julinho, era bem platônico, mas platônico mesmo, o meu amor por ele. Chegava a irritar de tão platônico, ah ah ah! De outras raças só namorei japonês, mas aí não aconteceu nada não. Ele nem falava japonês. Às vezes namoro e não vou obrigatoriamente para a cama. Tem isso também. Adoro namorar, sabe. Amor platônico é ótimo porque dura o resto da vida. Tive um aos 16 anos que dura até hoje. Nunca demos nem um beijo. Não é amizade, é amor mesmo, mas um outro tipo de amor”.

(Foto: Reprodução/Veja)


“Procuro um amor para o resto da vida”

“Amor não dá para racionalizar. Não tem conceito. Acho que explicar com palavra não tem sentido. Quando estou amando, meu processo de vida se acelera, fico mais corada, o sangue gira mais rápido, percebo uma mudança radical, de vida, de metabolismo. Durmo pouco e enquanto estiver amando fico nesse processo a vida inteira. Acredito em amor duradouro, mas não pintou ainda. De uma certa forma, vivo em busca, procuro um amor para o resto da vida. Uma pessoa que envelheça junto com a gente. Eu procuro sim”.

“Quando me sinto atraída por um cara, nunca tomo a iniciativa. Tem que partir dele. Acho que bem do meu lado feminino. Não teria coragem de chegar para um cara e dizer que estou a fim dele. Tenho que ser conquistada pelo homem, sabe. Não tenho um padrão para os meus relacionamentos. Varia, as coisas vão acontecendo. Agora, quando estou vivendo com um homem, sou absolutamente fiel. Quando vou com outro é de vez, não volto. Com o Julinho acabou um mês antes de conhecer o outro. De um modo geral não procuro arranjar outro para largar uma pessoa. Acabou, acabou. Se pintar depois outra pessoa, tudo bem.

“As pessoas me acham anormal dentro do que para elas é normal. Isso não me incomoda.”

(Foto: Revista Contigo/Astros em Revista/Acervo de Orias Elias)



– Você se acha uma boa pessoa?

“Procuro ser boa pessoa. Pelo menos não prejudico ninguém, não é? Se as pessoas me prejudicam, não tem importância. Claro que existem pessoas que prejudicam outras, mas azar o delas, não é? É mais fácil ser prejudicada. Sei que as pessoas me acham anormal, dentro do que para elas é normal. Convivo muito legal com isso, porque se levo pontapé numa esquina, mais adiante recebo milhões de beijos. Já entrei em muitas situações, até em prisão eu já estive e vi que posso viver muito bem até dentro de uma prisão. Fui presa pelo DOPS porque rasguei um cartaz no aeroporto que dizia: “Procura-se terrorista”. Fiquei presa cinco dias. Morrendo de medo, mas ninguém percebia. Comia feito uma louca, de nervosismo. Eles diziam: Mas você gosta dessa comida? Eu respondia: Adoro, me dá mais. A hora de dormir era às 22 horas, tudo bem, lá ia eu dormir. Porque eu não indisciplinava no que eles disciplinavam. Por exemplo, não ia contestar que a hora de dormir era às 22 horas. Têm tantas horas para se fazer coisas incríveis. Minha forma de indisciplina é outra. Faço coisas que aparentemente são permitidas, mas que a pessoa prestando bem atenção vai ver que não são tão permitidas assim. É uma coisa instintiva, não é racional. Depois é que vejo o que fiz, sei lá”.

Como modelo da estilista Zuzu Angel, época em que foi presa pelo regime militar (Foto: Reprodução)


“A paixão pela Grécia”

O grito pela independência começou com uma viagem à Europa, quando conheceu um grego, ainda no navio, com o qual se casou e entrou numa louca aventura. Os dois, de carro, viajaram pela Europa, até que o dinheiro acabou e Elke foi trabalhar como intérprete e tradutora. De todos os países que conheceu, ficou uma grande paixão pela Grécia: “Eta povo maravilhoso! Tenho uma grande paixão pela Grécia. Depois do Brasil, é o país que mais amo. O Brasil é a minha terra e eu sou bairrista, mas acho que para o povo em geral, é um país bem ingrato. Não é que eu não seja povo, mas o meu trabalho me dá condições de viver melhor. Para a maioria dos brasileiros é um país ingrato. Agora eu sou apátrida. Por causa da prisão, me tiraram a cidadania. Então vou ser cidadão alemã. Tenho um documento do meu pai porque ele serviu na Finlândia e adquiriu a cidadania alemã. Então eu tenho o direito. Vou ser alemã”.

No Grand Canyon (Foto: Reprodução/TPM/Arquivo pessoal)


Não dói ser apátrida?

“Não, porque eu sou brasileira. Não são eles que vão me dar um papel dizendo o que eu sou. Estou me lixando para um papel. Tenho 34 anos, sou brasileira há 28 anos. Sou e pronto. Não ligo muito para esse negócio de política porque política não resolve nada. Resolve? O que quer dizer politizada? Sou uma pessoa politizada, mas não sou de política de centro, de esquerda nem de direita. Sou pela justiça. Se o lado direito está injusto, sou contra, se o esquerdo está injusto, também sou contra. Sou política porque vivo sem política. Se pintar esquerdo, direito, centro, vou viver sem precisar de política, porque não me deixo enriquecer, nem lícita, nem ilicitamente. Quer dizer, não vão precisar tirar de mim e dar ao povo porque não tenho mais do que mereço. Nesse ponto sou política, porque sei exatamente o meu limite: não ter mais do que mereço. Acho que todo mundo devia ter o seu limite, porque aí, não precisaria esquerda, direita, ou centro. Nada, porque cada um estaria no seu lugar, não é?

“Incentivada pelo primeiro marido, Elke procurou Guilherme Guimarães para ser manequim. Mesmo sem nunca ter pisado na passarela foi aceita e criou um novo estilo: desfilar dançando e sorrindo.”

(Foto: Reprodução/O Globo)


“Sou amiga de todos”

“Não tenho só amigos bichas. Tenho amigos em todas as esferas: freiras, prostitutas, bichas. Agora, as pessoas é que insistem em enfatizar esse aspecto. Acredito que as bichas se identificam muito comigo porque todo sonho do homossexual é ser uma mulher loura, alta, que chega. Chegando. Eles gostam muito. Esse tipo vistoso. Também respeito muito eles e esse respeito é uma forma carinhosa de amizade e eles sentem isso. Não acho homossexualismo anormal. Tudo que está aí é absolutamente normal. Por que anormal? Será que Deus não fez também o homossexualismo? Quem fez então? O homem? Será que o homem tem condições de fazer alguma coisa? Não tem, né? É tudo da natureza, sabe? O homem não tem livre arbítrio para mudar as coisas a seu bel-prazer. O que tá aí foi a natureza que fez, foi Deus quem fez. Se o homem gosta do homem, a mulher da mulher, só pode ter alguma razão, sei lá. Talvez a natureza esteja precisando diminuir a população que está aí e por isso faça mais homossexualidade para que as pessoas não se reproduzam tanto, porque nossos antepassados resolveram ter 20 filhos cada um, não é?

A natureza manda defesas, ela manda pestes, manda câncer, manda coisas assim, que não são boas nem más, são da natureza e o homossexualismo é da natureza. Vi cachorros tendo relações com cachorro, porco com porco, gato com gato, porque o homem não pode ter relações com outro homem? É da natureza, absolutamente da natureza”.

Com o cabeleireiro Silvinho (Foto: Reprodução/Acervo IMS)


“Tudo o homem transa como moral. Tudo que existe. Até incesto, por exemplo. Antigamente o incesto existia livremente e hoje poderia continuar existindo porque existe a pílula, então não existe o perigo de um pai transar com a filha e ter filhos, né? Porque poderia nascer mongoloide, não é? Por causa do problema genético. Mas o homem transformou isso num problema moral e não é. Qual é o imoral de um irmão transar com uma irmã? Ninguém vai me convencer que é imoral. Incesto, homossexualismo, lesbianismo, não é uma coisa do nosso tempo. São coisas antigas. Existia na república dos gregos. Sócrates, Platão, Aristóteles tinham amor pelo homem. Pelos rapazes jovens. Lesbianismo vem da Ilha de Lesbos, onde Safo tinha uma república de mulheres. São coisas antigas, que existem. É da natureza e não é imoral, não é?

(Foto: David Drew Zingg/Acervo IMS)


Houve uma época que falaram que eu era homem vestido de mulher. Fui a responsável, porque numa entrevista perguntavam: ‘Quem é você?’ Respondi: ‘Sou um travesti di-vi-no, que está enganando vocês todos, ah ah ah.’ Foi engraçado. Chegaram até para o meu ex-marido – essa foi ótima -  e disseram: ‘Sabe que a Elke é travesti?’ Aí ele respondeu: ‘Que engraçado, fui casado com ela seis anos e nunca tinha percebido.’

(Foto: Acervo de Orias Elias/Astros em Revista)


O meu lado masculino é muito afogado. Nem calças compridas eu uso. Não é medo de parecer homem, não tenho vontade. Gosto de roupas femininas mesmo. Não estou reprimindo esse lado, já fui de homem para o Chacrinha, já me vesti, já representei um papel de homem, de brincadeira. Mas o lado masculino não pinta. Não tenho nada do lado masculino. Tenho no sentido de dirigir minha vida, de homem nenhum me sustentar. O único homem que me sustentou na vida foi meu pai. De ser auto-suficiente, de ser dona da minha cabeça. Nem sei se é um lado masculino. Mas eu tenho amigas mulheres, muitas amigas mulheres. Amigas mesmo, amizade numa boa, sem concorrência, não sou concorrente de mulher nenhuma.”

“Prefiro que o homem fique por cima. Gosto de ficar embaixo, submissa. Sou uma pessoa submissa ao homem. Quer dizer, nem sempre. Por exemplo, num restaurante prefiro dividir as despesas. Não deixo ele pagar sozinho, nem gosto de pagar sozinha. Prefiro dividir. Nunca tive dificuldades financeiras, sabe? Sei sete idiomas, sempre dá pra trabalhar como tradutora e intérprete. Hoje vivo dos shows, do circo, do cinema, da televisão, não é? Não sou mais manequim não, sabe, faço alguns desfiles de vez em quando.”

(Foto: Reprodução)


“Drogas, não. Prefiro o álcool”

“Já experimentei várias drogas, mas não é a minha. Minha droga mesmo é o álcool, que estou acostumada a tomar desde criança. Meu pai, como todo russo, bebe bem, então me ensinou a curtir os venenos da vida e a não me viciar em nada. Sou viciada em cigarro. Prefiro o meu estado normal, com álcool ou sem álcool. A bebida é uma velha amizade. Mas não fico bêbada, bebo há 28 anos. Não me afogo na bebida, mas gosto de beber.”

(Foto: Adhemar Veneziano)


– É verdade que você foi bêbada para o Chacrinha e brigou com ele?

“Não, não lembro. Teve um dia que ele perguntou se eu estava bêbada. Estava sim, de cansaço. Há pouco tempo ele me agrediu no ar. Depois pediu desculpas e continuou o velho amor de sempre. Eu também errei, mas ele não tinha o direito de me agredir no ar. Depois ele reconheceu e teve a humildade de pedir desculpas. Tudo bem.”

Com Claudia Raia e Chacrinha (Foto: Reprodução)


– Afinal, Elke, quem é você?

“Tenho uma profunda alegria de viver, nunca senti vontade de morrer. Quando era criança talvez tenha pensado na morte algumas vezes. Adoro a chuva, não gosto do sol, não preciso dele. Não leio muito, não gosto de ler revistas, nem jornais. Prefiro ler pessoas. O papel é muito paciente, as pessoas escrevem o que querem. Então prefiro pesquisar ao meu modo. Mesmo estando sozinha tenho um ser humano do meu lado. Assim como aprendi a falar sozinha, a andar sozinha, aprendi a ficar sozinha sem me sentir só. Não são várias personalidades que tenho, são mil pessoas que me ensinaram coisas pela vida afora. Mil pessoas que vivem dentro de mim, porque não aprendi nada sozinha.

(Foto: Terceiro/Agência O Globo)

“Não tenho filhos porque não encontrei a pessoa certa para viver o resto da vida comigo. Não quero criar filhos sozinha. Não gosto de ser mãe, gosto de ser avó, quero ser avó. Acho o ser humano variado, minhas amizades não têm padrão, tenho amizades em todas as esferas. Tem pessoas das quais rio muito, tem pessoas de que não rio nunca. Estou sempre absolutamente de igual para igual com as pessoas. Não sou violenta. Com meu marido não brigo em nível de violência. A gente tem briga, normal. Tem hora que tenho vontade de dar na cara de uma pessoa. E quando vejo gente usando gente, faturando gente. Sabe? Essas falsas caridades. Não sou jurada, nunca julguei ninguém. Vou no Chacrinha para divertir o povo e para brincar. Quando eu achar o homem da minha vida, eu vou saber, uai. Procuro a metade da laranja. Pode ser que já tenha pintado. Eu não tenho limites, ninguém tem. Tenho limite agora, mas se alguém abrir mais caminhos não vou ter mais limites. Um recorde é sempre batido. Às vezes pergunto: será que liberdade é ruim, será que é bom? Não sei se é importante. Liberdade é perfeição, e estamos longe da perfeição. Não ando em busca da liberdade, não sou uma mulher livre, não sou perfeita”.


Extraído de:


Revista Sétimo Céu – Série Amor nº 77. Maio, 1979 – Bloch Editores. Acervo de José Henrique Uessler. Reportagem original disponível no blog Revista Amiga e Novelas.  

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